quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

A(r)me-se.

Tudo o que eu tinha e queria era aquela pequena e frágil espada de madeira. Arma de ataque, fazia para mim a função de escudo e me protegia de tudo aquilo o que me angustiava. Quando eu a empunhava, todo o mundo se descoloria num degradê de coragem envergonhadinha, com golpes sorrateiros e certos. Eram golpes cuidadosos, não machucavam, dilaceravam. Sim. Cortavam a delgada parte de mim que me separava da realidade e aos poucos eu era transportado para o não-aqui. Além, então, eu me refazia todinho, eu ganhava novos olhos com os quais eu enfeitava todo o jardim com o (i)material que me era (in)tangível. Fui o guerreiro irreal do mundo. Meu. Hoje não há mais espada de madeira, há talvez, de uma outra natureza algo não tão forte, nem tão eficaz, mas que permite em palavras desrealizar a dor, personificar a vida e minimizar os grilhões do ser. 
Amar é um verbo que não transita ao prazer de quem ama.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Escrever

O que importa é brincar.
É fazer da palavra o rastro,
da frase o caminho.
O sentido a gente vai achando
aos pouquinhos,
como as pedrinhas que ficam
e constroem um castelinho.

Desodiar

Pediram pra falar do ódio
meu amigo, pra quê?
ele é tão pilantrinha.
não merece palavra rimada
não merece tempo sentido
que se lembre do que vale a pena:
do vale velado dos teus vícios
já que sois adicto convicto do amar
não te reabilite, convide.
entregue a esse relevo
revele.

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Quantas colheres?

Não me permita viver
essa ausência crua
Fique aqui, meu bem,
faça da minha casa a tua.

Pra te ver ficar,
Te costuraria no sofá
Só pra te ter em cafuné
faria um café com chocolá
tranquilo
Só pra te ver adoçar
e girar. e girar. e girar.

e enquanto a colher dança
eu desenho teu rosto
eu canto teu gosto
eu simplesmente te vejo
és o doce dos dias
algo que faz em sorriso
me desmancha em desejo

Quando chamo
é mais leve,
sei que não amo,
mas é vida.
A vida é pluma
é assim por e para ti
Por favor, não suma.

sábado, 19 de janeiro de 2013

é | mas

Entre o é e o mas existe uma barreira. Um muro de diversos tamanhos: grande, pequeno, insignificante, nada. Quem afirma, quando ressabiado, pode confiar na adversativa a certeza da aceitação, porque, afinal, o que se procura é esse sim do outro, esse quê de você-está-certo em todo e qualquer olhar. Aí o muro é pequeninho, é minúsculo é a minúcia que não se percebe, a opinião fantasiada de é-isso-o-que-você-quer-ouvir. O que se quer ouvir é o conforto do pode-ser. Esse muro é um dos poucos que faz sentido (porque dá mais sentido) e que eu rezo pra que cresça. Que ganhe força e tamanho pra que o é fique tão independente desse mas a ponto de gritar e calar o lado que pende. O lado que move para ser movido. O lado fraco, vencido. 

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

E pesa.

Quando eu era ainda criança, morria de medo de perder o carrinho de compras dentro do mercado. Era um medo bobo de que, ao deixar o carrinho longe, alguém o furtaria, levando consigo todo o cuidado da escolha e o tempo de procura. Para mim, aquele medo fazia todo sentido, já que tudo o que estava dentro do carrinho era meu, absoluta e unicamente meu. Fadados a essa posse indevida, os produtos eram constantemente mirados pelo meu olhar criterioso. Uma possessividade tão minha que eu me permitia sentir; aquelas coisas todas empilhadas no carrinho tinham muito de mim, um consumismo embasado na construção de uma personalidade através da metonímia da vida. Pouco me importava o que tinha no carrinho, no fim. Poderia ser sabão em pó. Poderia ser esponja de louça. Poderia ser couve! Tudo tinha um pedacinho de mim.
Hoje, no mercado, vi um carrinho cheio de produtos, mas sozinho. Sozinho. Lembrei, na hora, de como eu era tolo ao temer o furto do carrinho. Imagine: quis levar aquele carrinho comigo. Porque eu percebi que talvez eu não consiga mais construir um que seja tão eu. Porque talvez eu não me perceba mais como outrora. Vai ver eu cresci e fui deixando de carrinho em carrinho um pedacinho de mim até o ponto de não conseguir mais me compor. Hoje eu uso cestinhas, esse é o peso que a vida adulta me fez carregar. 

sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Int(f)erno

Não se confundiria mais: esse era o destino. No olhar que não demonstrava mais muito sentir, ela caminhava no sentido qualquer que levava ao limbo do seu ser. Descendo aquela ladeira meio inconformada com seu estado, ela batia os sapatos como um pedido para si mesma "não faça mais isso, não faça mais isso". Ela era teimosa, a moça, fazia. Era sempre assim. Mesmo que repleta de falsas promessas de regresso ao passado exímio, ela queria mesmo era o avanço, mas tímida, se pegava pedindo ao Deus que lhe ouvia em mente um futuro ordinariamente correto. Sem grandes tropeços, ela chegou ao fim da descida cansada, olhou para cima e deixou cair uma única lágrima. Sozinha, aquela gota percorreu o rosto marcado pelo tempo, mesmo que curto, mas marcado. Desenhou nos pelos finos e loiros que cobriam e davam a sua pele um toque aveludado curvas que lembravam os caminhos pelos quais ela jamais passaria. Esquivos, independentes, certeiros, firmes. Aquele desfiladeiro era o caminho do seu sempre e para sempre assim seria e no destino a moça acreditava. Ainda com os sapatos na mão ela sentou no chão sujo de sábado, olhou para o céu de domingo e não amanheceu. Permaneceu noturna, embora o céu estivesse azul. Contou as estrelas inexistentes do seu céu repleto de eus dissonantes, mas brilhantes. Seu destino era não ser, conformar-se à mácula calvinista da predisposição ao inferno que a habitava.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Nada vasto

Talvez o mundo seja plano
E brinque de esfera, como um cigano.
Que muda, pula, que funda e afunda
Todo esse assentamento de emoção.
Talvez o mundo seja raso
E brinque de oceano,
Que pacifica, atlantica e indica
A direção da desrazão.
O mundo é a distorção,
É manso, o mundo é tanso.
Porque se eu fosse o mundo
Eu seria fundo,
Escuro
Eu seria mudo,
Já que surdo é o povo
Mas o mundo é mundo
E não eu
Eu sou um ovo: afundo.

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013


Meu coração tem preço de banana
mas não vendo, 
sou difícil.
e essa minha exigência
só me leva à promoção:
qualquer sorriso bobo,
sem vontade,
sem lembrança
encaracolado de ideia,
tá me levando.
Só que não querem levar
Fico na feira.
Segunda
Terça
Quarta
Quinta
Sexta
Até quem não é feira me prende.
Sábado
Domingo.
Não me mexo, fico, 
permaneço no que já foi.
E eu sozinho com o coração na mão sem saber o que fazer com tanto tum-tum sem tu.
Apodreço. 

Sentido


Cofesso que senti preguiça. Uma preguiça extrema, um nojo. Aí vieram me dizer que era pecado capital, acabei me comovendo, pecar nunca foi uma boa coisa, não é? Só que pensar em capital me lembrou do livro do Marx que nunca li na íntegra, mas sempre cito. Isso acabou fazendo com que eu perceba o quão superficial as coisas têm sido: como posso falar do que o cara disse há uns bons anos se nem ao menos li uma obra dele por completo. E pior: como eu consigo fazer das palavras dele as minhas? Lembrando de Saramago, ele [eu] se [me] sentia no direito de ter o rei no estômago só porque morava na capital. Parafraseei, claro (e disse isso só porque gosto dessa palavra). Não estou na capital e, no fim, essa citação nem casou com o contexto. Nem citação se casa nessa história. É preguiça de pensar no sentido. Sem ti. Senti.
Emudeço quando penso,
Ainda penso.
Será que só eu?
Ao acordar eu ainda era,
Mas só.
O que importa não é o ato,
Talvez seja o fato de estar ali:
Juntos,
Mudos,
Crus, sem o fardo que nos apronta
Nos monta ao mundo
Transforma o que poderia
Naquilo que não será.
Mais?